segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Cirurgia de mudança de sexo de mulher para homem é rara

“Paciente fica satisfeito com retirada das mamas e quase nunca quer construção do pênis”, afirma médico especialista nas operações


Xande sempre quis ser Júnior. Desde que criança, quando assimilou que seu nome de batismo “Alexandra” era uma versão feminina em homenagem a seu pai, teve a sensação de que alguma coisa estava errada. Pensava e sentia ser menino, ser Júnior. Viveu assim durante anos sem entender os motivos para o corpo não fazer jus aos seus sentimentos. Era menina só fisicamente. Todo o restante era de garoto.
Primeiro foi o corte de cabelo bem curtinho, depois as roupas, o andar masculinizado e, então, a construção da identidade máscula ficou quase completa. Ainda menstrua todo mês, “uma agressão mensal à sua personalidade”, e tem vergonha dos seios salientes que nem as camisetas mais largas conseguem esconder.
Pensou ser lésbica, teve uma filha em 1992, fruto de uma produção independente para atender aos anseios de sua relação que, na época, acreditava ser homossexual. Entendeu só em 2004 que não era uma mulher que gostava de mulheres. Era um transexual, transtorno de gênero reconhecido pela Organização Mundial de Saúde mas que não precisa vir acompanhado de nenhuma doença psíquica.
Foi aí que a Alexandra ficou mais confortável. Passou a ser chamada por todos de Xande e não gosta (e fica magoado) quando referem-se a ele usando pronomes e artigos femininos. “As mulheres que nasceram em corpos de homens têm muitas referências que ajudam elas próprias a entenderem o que são”, comenta Xande Santos, que já presidiu a Associação da Parada Gay de São Paulo e milita em favor dos direitos humanos.
“O caminho delas foi aberto com a ascensão de Roberta Close. Outras transexuais também ganharam fama (a última edição do Big Brother Brasil 11 traz como um de seus confinados Ariadna, uma transexual que está no primeiro paredão)” e a medicina trouxe alternativas”, pontua. “Nós, transexuais masculinos permanecemos praticamente invisíveis. Nossa batalha é para sair da marginalidade”, define.

Foto: Geraldo Bubniak/ FotoarenaAmpliar
Carla já foi casada e diz que hoje não quer relacionamentos. "Para me sentir completa, só falta a cirurgia."
É fato que o histórico das cirurgias de mudança de sexo tem um pioneirismo de pacientes que nasceram homens e sentem-se mulheres. O Conselho Federal de Medicina reconheceu este procedimento cirúrgico em 1997. Em 2008, as operações deste tipo passaram a ser realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS). Desde lá até novembro de 2010, foram realizadas 73 operações, uma média de uma cirurgia a cada 15 dias.
Todas as adequações anatômicas feitas em hospitais públicos foram realizadas em pessoas que nasceram homens e sentiam-se mulheres. O inverso, inclusive com a construção de um pênis, ainda é algo experimental, só pode fazer parte de protocolos de pesquisa e é considerado uma raridade nos centros especializados em mudança de sexo. A estimativa da Associação Brasileira de Transexuais é que apenas cinco cirurgias do tipo foram feitas no Brasil. Semana passada, os trans como Xande comemoraram a primeira vitória, “de muitas que ainda precisam vir". O primeiro Ambulatório de Travestis e Transgêneros, que atende pelo SUS e fica em São Paulo, anunciou que vai oferecer gratuitamente a cirurgia de retirada de mamas e útero para o público de transexuais.
Mamas, útero e trompas
Apesar destes dois procedimentos já serem recorrentes no dia a dia dos médicos – a retirada das mamas para pacientes com câncer de mama, por exemplo, e de útero para pacientes com miomas severos – eles não eram autorizados para pacientes transexuais. A realização em São Paulo vai ao encontro da regulamentação do Conselho Federal de Medicina. Pelas normas, só podem ser submetidas pessoas com mais de 21 anos e que passaram por, ao menos, dois anos de acompanhamento médico multidisciplinar. Xande dos Santos já está com o laudo que autoriza a retirada das mamas e do útero em mãos. Espera fazer em breve a cirurgia.
Construção do pênis
“No meu caso, já ficaria totalmente satisfeito com a retirada das mamas e do útero”, diz Xande. “Seria um passaporte para a liberdade, poder ir à praia, tirar a camisa em público sem constrangimento, não menstruar mais. A construção do pênis, que é uma possibilidade cirúrgica, ainda é rara, arriscada e experimental. Hoje, eu não faria”, diz ele que já sentiu na pele o peso dos procedimentos arriscados. Em 2006, sem orientação médica, ele tomou doses abusivas de testosterona (hormônio masculino) e sofreu dois acidentes vasculares cerebrais (AVC). “Quase morri”, lembra.
O médico urologista e especializado em cirurgias de adequação de sexo, Carlos Abib Cury, afirma que os anseios de Xande são quase unânimes entre os transexuais masculinos.
“Da mesma forma que as pessoas que nasceram mulheres em corpos de homens almejam mais do que tudo a retirada do órgão sexual masculino, para os homens que nasceram mulheres o principal desconforto é a mama. Muitos ficam satisfeitos só com a retirada delas”, diz Cury que chefia o grupo de pesquisa de cirurgias em transexuais do Hospital de Base de Rio Preto e é uma das lideranças neste tipo de operação.
Cem contra um
Carlos Cury cita os números de sua carreira para confirmar como raridade a cirurgia de mudança de sexo de mulher para homem. “Na semana que vem, meu grupo vai realizar a centésima cirurgia de mudança de sexo. Elas são realizadas desde 1997. Até hoje, só fiz uma construção de pênis”, diz.
A técnica utilizada por Cury neste caso foi de estimulação clitoriana. “Em alguns casos, com doses controladas de testosterona, o clitóris aumenta de tamanho, espessura e diâmetro, ficando parecido com um micropênis. Fazemos uma operação para o descolamento desta parte do osso pubiano, uma das formas mais funcionais da operação e com menor risco de rejeição”, explica.
Além desta, Cury afirma que é possível chegar a um pênis por meio de tecidos abdominais, da coxa ou do antebraço, que depois são implantados na região sexual. “Para torná-los rígidos, colocamos próteses de silicone. O paciente não terá ereção, mas será uma área com sensibilidade, por causa dos tecidos nervosos, e capaz de penetração.”
"Pãe"
Xande Santos ainda não cogita uma transformação radical como a descrita por Cury. Para ele, o acesso à retirada das mamas e do útero será suficiente. Com isso, ele espera que a filha, hoje com 19 anos, pare de chamá-lo de pãe (mistura de pai e mãe) e use apenas o termo pai.
"É o meu grande sonho."

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